terça-feira, 3 de maio de 2011

CONTER HISTÓRIAS


Compro e meto-me em casa.
Por breves instantes esqueço tudo: o nome da rua, o número do bilhete de lotaria, o café ao lume, as letras que compõem as palavras. Sento-me na cama agarrada ao pacote. Dormes a sono solto. Quando acordares estou metida numa embrulhada.
Á medida que desfaço o laço, tomo coragem para contar-te tudo.
O cavalgar do meu coração é ensurdecedor, mas consigo dominá-lo a tempo, e tu não nem suspeitas.
Levanto-me de mansinho e esquivo-me até à casa de banho.
A luz ténue que entra pela goteira invade as paredes de azulejo e ilumina o frasquinho. Ergo os braços. Estou nas suas mãos. Deslizo-o por entre os dedos: o frasco é azul e a luz é dourada, a luz é azul e o frasco é dourado, o frasco é a luz e o azul é adorado. Levo-o à boca e bebo até à última gota.
Regresso à cama e deito-me a teu lado, amargurada.
Por longos instantes lembro-me de tudo: os nomes das coisas, os números das pessoas, o sabor das palavras que aquecem a rotina.
O gosto permanente da tinta esvai-se pelo canto da boca e discorre pelo travesseiro.
Posso dormir em paz. Chegou a aurora que esperei a vida toda.
Quando acordares, lê. Cansei-me de conter histórias.

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