segunda-feira, 9 de maio de 2011

Bluebird - Charles Bukowski


there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?

sábado, 7 de maio de 2011

mares de palavras
vagas
dunas
mão cega que penteia
a areia

marés de palavras
vazas
prenhas
luas cheias
arado que rasga
sulca
cava
veia
vaivém
vai e vem
vem
palavras que soltam
versos ondulantes
dos meus ais

quarta-feira, 4 de maio de 2011

CARNE

Bastou-me abrir a porta do apartamento para saber que ainda não saíras definitivamente da minha vida.
O teu cheiro entranhara-se no papel de parede tal como o fedor da serpente se recusa a abandonar a pele descascada. Tomo folgo, cerro os olhos, estico os braços e deixo que as mãos leiam o texto rugoso da parede do corredor. Quatro unhas como quatro garras escavam quatro sulcos, quatro rastilhos de pólvora.
A sala acolhe-me oca, muscular, do tamanho de um punho.
A luz intermitente de faróis amarelos projecta a sombra das lâminas dos estores nas paredes, nuas como telas. Aí se desenham os psicadélicos contornos dos móveis.
Deslizo descalça até ao centro. Em bicos de pé, levanto os braços e tento atingir a lâmpada vermelha.
O teu cheiro continua encarnado.
Abro a janela e deixo que o quarto respire fundo. Sirvo-me um Jameson bem aviado e bebo-o de um só trago. Jogo-me no sofá e sem querer derrubo o atendedor de chamadas.
O som da tua voz espalha-se, espesso e cavernoso: “Ana, … Ana, … atende caralho! Se pensas que isto fica assim, enganas-te… Vais arrepender-te…”.
Atiro-te pela janela fora: “AAAAAAAAnnnnnaaaaaaa!!!!!!”, gritas em pleno voo. Assisto, paralisada, à queda vertiginosa do aparelho que se desfaz em estrondosos estilhaços lá em baixo, na calçada.
Por instantes pensei que sufocava. Fecho a janela, corro os estores, apago a luz, ligo o esquentador. Tiro a roupa e meto-a na máquina de lavar. Entro na banheira, encho os pulmões de ar e mergulho.
Emerjo calma, conscientemente insípida, inodora e incolor.
Seco-me e sento-me na beira da cama. Calço as meias-ligas de nylon. Ponho aquele vestidinho preto e o colar de marcassite que me ofereceste. Vejo-me ao espelho vermelho e pinto os lábios.
Inesperadamente eufórica, canto na sala escura: “If it makes you happy, it couldn’t be that bad! If it makes you happy, why the hell are you so sad?”
Visto o casaco e confiro: chaves do carro, chaves de casa, cartão, chapéu, cachecol. Tranco a porta enquanto trinco uma maçã. Meto-me no carro e arranco.
Ligo a aparelhagem e levo com os Portishead: “… ‘cause nobody loves me, that’s true. Not like you do …” E pensar que há horas atrás apenas isto fazia sentido.

UM A UM

terça-feira, 3 de maio de 2011

e.e. cummings

poesia com pessoas, re-verberando (em) uma só:

"... you am in i are in we"

CONTER HISTÓRIAS


Compro e meto-me em casa.
Por breves instantes esqueço tudo: o nome da rua, o número do bilhete de lotaria, o café ao lume, as letras que compõem as palavras. Sento-me na cama agarrada ao pacote. Dormes a sono solto. Quando acordares estou metida numa embrulhada.
Á medida que desfaço o laço, tomo coragem para contar-te tudo.
O cavalgar do meu coração é ensurdecedor, mas consigo dominá-lo a tempo, e tu não nem suspeitas.
Levanto-me de mansinho e esquivo-me até à casa de banho.
A luz ténue que entra pela goteira invade as paredes de azulejo e ilumina o frasquinho. Ergo os braços. Estou nas suas mãos. Deslizo-o por entre os dedos: o frasco é azul e a luz é dourada, a luz é azul e o frasco é dourado, o frasco é a luz e o azul é adorado. Levo-o à boca e bebo até à última gota.
Regresso à cama e deito-me a teu lado, amargurada.
Por longos instantes lembro-me de tudo: os nomes das coisas, os números das pessoas, o sabor das palavras que aquecem a rotina.
O gosto permanente da tinta esvai-se pelo canto da boca e discorre pelo travesseiro.
Posso dormir em paz. Chegou a aurora que esperei a vida toda.
Quando acordares, lê. Cansei-me de conter histórias.