Compro e meto-me em casa.Por breves instantes esqueço tudo: o nome da rua, o número do bilhete de lotaria, o café ao lume, as letras que compõem as palavras. Sento-me na cama agarrada ao pacote. Dormes a sono solto. Quando acordares estou metida numa embrulhada.Á medida que desfaço o laço, tomo coragem para contar-te tudo.O cavalgar do meu coração é ensurdecedor, mas consigo dominá-lo a tempo, e tu não nem suspeitas.Levanto-me de mansinho e esquivo-me até à casa de banho.A luz ténue que entra pela goteira invade as paredes de azulejo e ilumina o frasquinho. Ergo os braços. Estou nas suas mãos. Deslizo-o por entre os dedos: o frasco é azul e a luz é dourada, a luz é azul e o frasco é dourado, o frasco é a luz e o azul é adorado. Levo-o à boca e bebo até à última gota.Regresso à cama e deito-me a teu lado, amargurada.Por longos instantes lembro-me de tudo: os nomes das coisas, os números das pessoas, o sabor das palavras que aquecem a rotina.O gosto permanente da tinta esvai-se pelo canto da boca e discorre pelo travesseiro.Posso dormir em paz. Chegou a aurora que esperei a vida toda.Quando acordares, lê. Cansei-me de conter histórias.
terça-feira, 3 de maio de 2011
CONTER HISTÓRIAS
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