terça-feira, 22 de outubro de 2013

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

SOSSEGAR

HEART by Ana Ventura


O que eu mais queria neste mundo era sossegar. Eis um verbo que é preciso redimir. Sossegar não é descansar, nem traz felicidade, nem se assemelha, senão superficialmente, à paz ou à tranquilidade. Não quero acalmar-me, ou serenar, ou assentar. O sossego é um estado de bonança.

O sossego é um estado de excepção, em que a alma vem ao encon­tro do corpo. Pode sossegar-se em momentos de grande agitação, de um acesso de amor, em que esse amor parece lucidez. É este o sossego com que sonho — uma presença consciente de verdade no que se sente -, oposto à parança estúpida, queda e adormecida, falsa, aquém da aler­ta. Não gosto do sossego como alívio ou interrupção. Nem gosto da maneira como se usa o verbo descansar, que deveria significar repousar (recuperar as forças, etc.) em vez de sossegar, como por exemplo: «Ainda bem que me avisaste, porque assim fico mais descansada». É tão ridículo como uma criada dizer: «A senhora não pode vir ao telefone porque está a sossegar». Na época do stress e dos calmantes, das psicoterapias e das manias new age, sossegar foi destituído da sua beleza própria, da sua frescura, da sua actividade.

Sossegar não é descansar - não é uma consequência do cansaço. Quando Rebelo da Silva, citado por Moraes, que por sua vez cita o dicionário de Freire, diz «O coração não sossega, a vida cansa», ambas as coisas são verdadeiras, mas a associação é enganadora, porque o cora­ção não sossega por causa de a vida cansar. Há cansaços bons. Não. O coração não sossega, porque não tem com que sossegar. Mais que a felicidade e a paz, o mundo precisa de sossegar.

O sossegamento é a forma mais precisa de liberdade. Mas não é uma liberdade negativa (estar livre de medos, de constrangimentos, de opressões), mas uma liberdade positiva — uma liberdade para sentir o que se sente e con­fiar no que se sente, e ter tempo, e vontade, e confiança no que se faz. Quando se olha para o rosto duma pessoa amada, ou se recebe dela um gesto de amor, sossega-se. Quando se sabe de antemão o que vai acontecer, ou como alguém se vai comportar, sossega-se. Quando se participa num acto de bondade, ou se assiste a um, sossega-se. Quando se é desculpado, sossega-se. Quando se faz uma promessa ou um plano que sabemos que se irá cumprir, sossega-se. Isso é sossegar. Quando dois amantes decidem ter um filho, por muito medo que isso possa provocar, sossega-se. Quando aparece um amigo sem avisar, interrompendo tudo o que se tencionava fazer, sossega-se. Quando se está a lutar contra a injustiça e a maldade, com todas as forças que se tem, sossega-se. Quando se lê um poema ou uma história bonita, por muito triste que seja, sossega-se. Quando se acredita em Deus. Isso, sim, é sossegar.

Gosto de sossegar como verbo transitivo. Sossegar só por si não chega. É mais bonito sossegar alguém. Quando se pede «Sossega o meu coração» e se consegue sossegar. Quando se sai, quando se faz um esfor­ço para sossegar alguém. E não é adormecendo ou tranquilizando, em jeito de médico a dar um sedativo, que se sossega uma pessoa. É enchendo-lhe a alma de amor, confiança, alegria, esperança e tudo o mais que é o presente a tornar-se, de repente, futuro. É o futuro que sossega. «Amanhã vamos passear» sossega mais que «Não te preocupes» ou «Deixa lá, que eu trato disso». A aquietação, como o sono, é uma espécie de morte. Sossegar não é jazer. É viver. Uma pessoa sossegada é capaz de deitar abaixo uma floresta. O sossego não é um descanso — é uma força. Não é estar isolado e longe, deixado em paz - é estar determinado no meio do turbilhão da vida.

O sossego é, em grande parte, uma expressão espiritual de segurança. Sossegar é saber com o que se conta, desde o azul do céu aos irmãos. O coração sossega em quem se conhece. Sossegar é conhecer uma tota­lidade, as coisas feias ou bonitas, mas previsíveis e familiares. É por isso que sossega olhar para um rosto amado, que se conhece, ouvir a voz dessa pessoa, mesmo quando está a dizer disparates. Não há falinhas mansas que tragam o sossego dos gritos duma pessoa com quem se pode contar. E um alívio. Só a ordem pode sossegar, por muito alterosa que seja. A tempestade sossega o marinheiro que conhece bem o barco e o mar.

No nosso tempo as pessoas querem o sossego menor das sopas e do descanso. Serem «deixadas» dalguma forma ou doutra: «Eu quero é que me deixem em paz». Querem fugir. Querem ir para o campo. Meditar. Descobrir o «eu» interior. Mas a solidão e o silêncio não sossegam. Para isso mais vale tomar um Lexotan. Só os outros nos podem sossegar mesmo no meio da vida, em plena acção, se pode, e vale a pena, estar sossegado. O «eu» interior é uma algazarra de desasossego. Para mais, árida e desinteressante. O budismo de trazer por casa que invadiu a nossa cultura, uma espécie de narcisis­mo espiritual, traduz uma noção repugnante de superioridade. Os outros podem ser o inferno, mas cada indivíduo ainda o é mais. Não me saem da cabeça os instantes, poucos, em que me senti sos­segar - e foi sempre graças a outra pessoa, vista ou lida, conhecida ou desconhecida, viva ou morta, menina ou crescida, sábia ou maluca, próxima ou longínqua, mas sempre presente, mais presente que eu pró­prio. Eu próprio, por defeito, talvez, não consigo lá chegar. Nunca encontrei o sossego nos outros — foram sempre os outros que me sosse­garam. E quase nunca deliberadamente. Lembro-me, em particular, dum momento, que obviamente não vou contar, mas que consistiu apenas em olhar para alguém e sentir que tudo nela me era querido e conhecido e familiar.

Não há no mundo paisagem como o rosto duma pessoa amada, sobretudo quando está agitado, a rir-se ou a zangar-se, desprevenido,apanhado nos nossos olhos como se estivesse dentro deles já. Sentir essa mistura de perdição e de proximidade é verdadeiramente sossegar.

Miguel Esteves Cardoso, Explicações de Português (texto com supressões)

quinta-feira, 7 de março de 2013

ANDREA BLAKE

and what if wind were a window what if I loved like wind loves a window

Capitulo 7 de "Rayuela" - Toco tu boca

BORBOLETA

BORBOLETA

A borboleta que poisou
no teu mamilo perdeu
vontade de voar.

Jorge de Sousa Braga

1 MINUTE OF SILENCE

Um minuto de silêncio
"Nos anos 70, Marina Abramovic viveu uma intensa história de amor com Ulay. Durante 5 anos viveram num furgão realizando todo tipo de performances. Quando sentiram que a relação já não valia aos dois, decidiram percorrer a Grande Muralha da China; cada um começou a caminhar de um lado, para se encontrarem no meio, dar um último grande abraço um no outro, e nunca mais se ver.

23 anos depois, em 2010, quando Marina já era uma artista consagrada, o MoMa de Nova Iorque dedicou uma retrospectiva a sua obra. Nessa retrospectiva, Marina compartilhava um minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ulay chegou sem que ela soubesse e... Foi assim."

(Traduzido por Rodrigo Robleño)



sábado, 9 de fevereiro de 2013

"Until the moment when God is destroyed by the extreme exercise...

"Until the moment when God is destroyed by the extreme exercise...

Six seated persons. Their bodies have the word. Their “becoming together” is announced through an unstable language, an English with particular sonorities. Their communication capacities are constantly challenged. They float between transparency and opacity; they exercise themselves between the knots weaving, suspended by a thread.

How to exercise the theatrical situation until exhaustion? To choose a language that is common to us, but that we do not dominate. The “here and now” that we look for is so lengthened that there is no longer a belonging. It is destroyed. We always restart, without ever returning to the same point.

Bojana Bauer



A light and recalcitrant work, Vera Mantero and five performers explore a single proposition that revolves almost completely around language, or better around speech, but also mumbling, grumbling, growling, meowing, humming, stammering and singing. Gestures and dance emerge where the body transforms into an ear or a peculiar soundboard. The piece embraces with theatrical joy an (im)probable future social body and doesn’t shun from the literal or kitsch. Language as a possibility to say ‘we’ and thereby affirm or ‘speak out’ the actual difference of the world we live in – on a political level the work reminds me of Jean-Luc Nancy’s writings. Since collaboration and creation are a social process itself, The extreme exercise has travelled a great distance between its première in Brest and the performances in Brussels: from a strict version that stresses the group as an outlandish choreographic machine, to a loose, ‘juicy’ one that takes as a point of departure the performer’s freedom in dialogue with the public, as yet another social body. Yet potentially it still commutes between these two extremes, voicing the lingering energies and imaginations of a vast spectrum.

Jeroen Peeters



“Almost unisono, but with different accents and facial expressions, they hold a speech about profound and banal ideas alike, without any distinction. No wonder that even after one hour they don’t reach a conclusion. Because of that, the only aim of this piece seems to be to celebrate the bare fact that public and performers are together, contemplating each other. “We are a group, you are a group...” returns as a refrain in the mash of words. As such, the acting of the six performers, their eccentric dresses and the way the public reacts to all this “make” the piece…
…the speech itself does not take place in an indifferent space but on a stage. And a stage is different from a street or a square. It is an empty space, without preconceived meanings or uses, but that is exactly why it arouses great expectations. When the curtain goes up we expect that everything that is there to be seen has a Meaning with a large M. Nobody stumbles on a stage like as they would do on the street. Certainly not if the title of the piece announces such concerns as the Death of God or “the extreme exercise of Beauty”.
Now, this is of course a grotesque speech. Who has still anything significant to add after all that has already been said or written about this? Don't we postulate the terms of God and Beauty above all to seal a breach in our worldview? Are these therefore not empty spaces, onto which everyone projects, after his own taste, his own “meaning of life”? The empty space of the stage meets in Vera Mantero’s work the empty space of words: she takes hold of the emptiness of the stage to hint at the emptiness of any significance. But she does this without despair. The meandering chat that the performers all produce in their own singular way, shows that a group of people “works”, even without God or Beauty. This is the meaning of the casual variant of “we are a group, you are a group...”. All of a sudden it becomes: “we are, you are... a theory, full of life”. Nothing has been proved, but “it works”.
Lauro’s mise-en-scène expresses this convincingly. A strong battery of spotlights frames the big stage, and in this way almost reduces the actors to a detail in the bigger picture. A huge brown object, a kind of a deformed globe, fills the emptiness behind them. The tension between the colossal object in the just as colossal emptiness and the mumbling of the performers is what creates meaning. Each by itself means nothing…”

Pieter T’Jonck


Artistic Direction
Vera Mantero

Performance and Co-Creation
Brynjar Bandlien, Loup Abramovici, Marcela Levi, Pascal Quéneau, Antonija Livingstone (now replaced by Andrea Stotter), Vera Mantero

Visual Installation and Costume Design
Nadia Lauro

Life Music and Sound Engineering
Boris Hauf

Light Design
Jean-Michel Le Lez

Dramaturgic Collaboration
Bojana Bauer

Executive Production
O Rumo do Fumo

O Rumo do Fumo is supported by
GOVERNO DE PORTUGAL - SECRETÁRIO DO ESTADO DA CULTURA / DIRECÇÃO-GERAL DAS ARTES


PERFORMED AT:

12 June 2010, Teatro Viriato, Viseu/Portugal
19 and 21 July 2008, Kalamata International Dance Festival, Kalamata/Greece
5 July 2008, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães/Portugal
17 and 18 June 2008, InTransit, Haus der Kulturen der Welt, Berlin/Germany
1 and 2 June 2008, Festival Alkantara, Teatro Meridional, Lisbon/Portugal
2 November 2007, Festival Trama, Fundação de Serralves, Porto/Portugal
3 and 4 June 2007, 24th Dance Week Festival, Zagreb/Croacia
15 March 2007, Festival de Dansa…o no !, Mercat de les Flors, Barcelona/Spain
23 and 24 February 2007, Kaaitheater, Brussels/Belgium
16 February 2007, Teatro Municipal da Guarda, Guarda/Portugal
23 and 24 November 2006, Culturgest, Lisbon/Portugal
15, 16, 17 and 18 November 2006, Centre Pompidou/Festival D’Automne, Paris/France
9, 10 and 11 November 2006, Le Quartz, Brest/France
8 November 2006, Le Quartz, Brest/France